21 de setembro de 2017

O eu

Ouvi dizer que no início da vida, o bebê não tem o conceito do "outro", pois o pequeno pensador sabe que existe e o entorno seria apenas uma extensão de si. Conforme se desenvolve, ele começa a perceber que existem outros humanos semelhantes a si, ao mesmo tempo que inicia a construção de relações sociais. Ainda assim, o "eu" é a coisa mais importante para cada indivíduo humano de uma forma geral, embora não sejam raros casos de pessoas que doam a si mesmo em prol dos outros (mesmo nesses casos, o indivíduo pode estar obtendo recompensas por se achar um altruísta virtuoso ou um ser elevado). 

Narciso de Caravaggio

Não posso ignorar a importância do ego e da identidade do indivíduo, sem estas coisas seria difícil a vida ter um propósito e trazer alguma satisfação. Entretanto parece ser muito natural que a própria pessoa se valorize e até acabe se superestimando, tal qual Narciso; muito mais difícil é o movimento oposto, despojar-se do seu ponto de vista, das convicções e de preferências pessoais e conseguir enxergar o mundo pelo olhar do "outro". Portanto, geralmente não é preciso incentivar o "eu" por ser algo que ocorre espontaneamente; por outro lado, deixar que o "outro" se manifeste em si mesmo é muito mais difícil e, por isso mesmo, muitíssimo valioso. De forma simplificada, digo que permanecer no "eu" é fácil porém não traz grande desenvolvimento; partir para o "outro" é difícil, mas é um exercício de grande poder transformador.

O "eu" pode ser um indivíduo ou ser um grupo de indivíduos que possuem algo que constitui sua identidade. Este grupo pode ser numeroso, como um país, por exemplo, quando existe uma identidade nacional (se o Brasil se encaixa neste perfil, é algo questionável, mas fica para outra oportunidade). Poderia haver um "eu" que englobasse toda a humanidade (identidade humana), todos os seres sencientes (identidade dos sencientes), todos os seres vivos (identidade dos viventes) ou de tudo que existe (identidade universal). Entretanto estes graus extremos de identidades diminuem tanto o "outro" que deixam este conceito praticamente vazio ou nulo. Para efeitos práticos, para este artigo e os futuros que pretendo escrever, o "eu" é um grupo que tem algum tipo de identidade e que exclui os demais indivíduos ou seres, que são os "outros". 

Uma forma extrema de valorizar o "eu" é o solipsismo, que é a doutrina que considera que somente experiências interiores e pessoais resultam no verdadeiro conhecimento. Colocando de outra forma, foi numa conversa real em bar que um colega dirigiu-se a mim e VT, em tom sério disse: "Eu sei que existo; mas será que você existe? Ou sou eu quem estou pensando que você está aí?". Não me lembro o que respondi na época, mas não deve ter sido nada de muito esperto, em se considerando o meu estado de embriaguez. Certamente a melhor resposta teria sido: "Na verdade eu estou imaginando você, questionando a minha existência; como sei que eu existo, você que é o produto de minha imaginação". Só esse episódio já me convence que este modo de pensar é um beco sem saída, não produzirá muita coisa de útil. Entretanto, como qualquer modo de pensar, não tem como ser refutado de forma simples.

Irei mostrando aos poucos que o movimento do "eu" para o "outro" é que produzirá mais benefícios, do que ficar completamente ensimesmado. Fica para um próximo artigo.

19 de setembro de 2017

Voltando a escrever, quem sabe...

Meus blogs ficaram em hiato por um bocado de tempo. Não há uma razão única ou clara, eu só posso dizer que não tenho encontrado energia suficiente para fazer além da obrigação. Certamente a idade contribui, depois dos 50 parece que o nosso corpo não é mais o mesmo, não consigo fazer certas coisas que fazia há dez ou vinte anos atrás. Entretanto não é só isso, eu sinto de uma certa forma um desânimo e desapontamento pelas coisas que tenho visto e testemunhado. Minha impressão é de que a humanidade está com todas as condições de criar um mundo onde todos possam viver de forma digna, graças aos avanços da ciência e tecnologia, mas que ao mesmo tempo, ranços antigos e retrógrados impedem que este paraíso consiga romper a casca para sair do ovo em que está sendo gestado. Temo que esta casca seja detonada por ogivas nucleares, o que seria um atestado da maior incompetência de uma espécie viva que já existiu na Terra. Mas não, tenho fé de que tal catástrofe nunca acontecerá.

Apesar de tudo, não posso deixar que o desânimo e o cansaço deixem ressecar minha vontade. Alguns podem sugerir que eu esteja em quadro depressivo; mas não acredito que esteja doente (na minha opinião, doente é  quem consegue ficar imune a todo esse quadro contraditório do mundo contemporâneo), minha sensação é de que estou num período de guardar energias para sobreviver e, num futuro, usá-las quando preciso. Acredito que, quem sabe, eu consiga voltar a escrever.