29 de março de 2016

Um golpe e nada mais

Artigo que li no resistir.info e estou transcrevendo neste blog. Obviamente o governo petista é indefensável, pela sua história recente que dispensa comentários. Entretanto, acreditar que o movimento que visa derrubá-lo está em prol da justiça, ética e moralidade é, na minha opinião, ou ingenuidade, ou má fé; ou uma mistura das duas coisas. Ruim com PT, será pior se os escroques tomarem seu lugar.

 por Vladimir Safatle [*]

A crer no andar atual da carruagem, teremos um golpe de Estado travestido de impeachment já no próximo mês. O vice-presidente conspirador já discute abertamente a nova composição de seu gabinete de "união nacional" com velhos candidatos a presidente sempre derrotados. Um ar de alfazema de República Velha paira no ar.

O presidente da Câmara, homem ilibado que o procurador-geral da República definiu singelamente como "delinquente", apressa-se em criar uma comissão de impeachment com mais da metade de deputados indiciados a fim de afastar uma presidenta acusada de "pedaladas fiscais" em um país no qual o orçamento é uma mera carta de intenções assumida por todos.

Se valesse realmente este princípio, não sobrava de pé um representante dos poderes executivos. O que se espera, na verdade, é que o impeachment permita jogar na sombra o fato de termos descoberto que a democracia brasileira é uma peça de ficção patrocinada por dinheiro de empreiteiras. Pode-se dizer que um impeachment não é um golpe, mas uma saída constitucional. No entanto, os argumentos elencados no pedido são risíveis, seus executores são réus em processos de corrupção e a lógica de expulsar um dos membros do consórcio governista para preservar os demais é de uma evidência pueril. Uma regra básica da justiça é: quem quer julgar precisa não ter participado dos mesmos atos que julga.

O atual Congresso, envolvido até o pescoço nos escândalos da Petrobrás, não tem legitimidade para julgar sequer síndico de prédio e é parte interessada em sua própria sobrevivência. Por estas e outras, esse impeachment elevado à condição de farsa e ópera bufa será a pá de cal na combalida semi-democracia brasileira.

Alguns tentam vender a ideia de que um governo pós-impeachment seria momento de grande catarse de reunificação nacional e retomada das rédeas da economia.

Nada mais falso e os operadores do próximo Estado Oligárquico de Direito sabem disto muito bem. Sustentado em uma polícia militar que agora intervém até em reunião de sindicato para intimidar descontentes, por uma lei antiterrorismo nova em folha e por um poder judiciário capaz de destruir toda possibilidade dos cidadãos se defenderem do Estado quando acusados, operando escutas de advogados, vazamento seletivo e linchamento midiático, é certo que os novos operadores do poder se preparam para anos de recrudescimento de uma nova fase de antagonismos no Brasil em ritmo de bomba de gás lacrimogêneo e bala.

Uma fase na qual não teremos mais o sistema de acordos produzidos pela Nova República, mas teremos, em troca, uma sociedade cindida em dois.

O Brasil nunca foi um país. Ele sempre foi uma fenda. Sequer uma narrativa comum a respeito da ditadura militar fomos capazes de produzir. De certa forma, a Nova República forneceu uma aparência de conciliação que durou 20 anos. Hoje vemos qual foi seu preço: a criação de uma democracia fundada na corrupção generalizada, na explosão periódica de "mares de lama" (desde a CPI dos anões do orçamento) e na paralisia de transformações estruturais.

Tudo o que conseguimos produzir até agora foi uma democracia corrompida. A seguir este rumo, o que produziremos daqui para a frente será, além disso, um país em estado permanente de guerra civil.

Os defensores do impeachment, quando confrontados à inanidade de seus argumentos, dizem que "alguma coisa precisa ser feita". Afinal, o lugar vazio do poder é evidente e insuportável, logo, melhor tirar este governo. De fato, a sequência impressionante de casos de corrupção nos governos do PT, aliado à perda de sua base orgânica, eram um convite ao fim.

Assim foi feito. Esses casos não foram inventados pela imprensa, mas foram naturalizados pelo governo como modo normal de funcionamento. Ele paga agora o preço de suas escolhas.

Neste contexto, outras saídas, no entanto, são possíveis. Por exemplo, a melhor maneira de Dilma paralisar seu impeachment é convocando um plebiscito para saber se a população quer que ela e este Congresso Nacional (pois ele é parte orgânica de todo o problema) continuem. Fazer um plebiscito apenas sobre a presidência seria jogar o país nas mãos de um Congresso gangsterizado.

Em situações de crise, o poder instituinte deve ser convocado como única condição possível para reabrir as possibilidades políticas. Seria a melhor maneira de começar uma instauração democrática no país. Mas, a olhar as pesquisas de intenção de voto para presidente, tudo o que a oposição golpista teme atualmente é uma eleição, já que seus candidatos estão simplesmente em queda livre. Daí a reinvenção do impeachment.
25/Março/2016
[*] Professor Livre-Docente do Departamento de Filosofia da Universidade de S. Paulo

O original encontra-se na Folha de S. Paulo e em jornalggn.com.br/noticia/um-golpe-e-nada-mais-por-vladimir-safatle

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

4 de março de 2016

A barbárie já começou

Publicado originalmente no Monitor Mercantil Digital, acessado em 04/03/2016.

Vivemos uma das maiores ofensivas do capital em toda a história, quiçá a maior, por todo o planeta. Acuada por uma crise internacional sem precedentes, diante de uma inédita crise sistêmica completa, como afirma o professor Edmilson Costa, a burguesia agride os trabalhadores e os povos nos cinco continentes, sem distinção.
O desespero da elite é tamanho que sua faceta mais hedionda, o fascismo, já se manifesta claramente, tendo inclusive chegado ao poder sem qualquer disfarce na Ucrânia. Sua outra faceta extremamente conversadora, a tradicional ditadura, mantém o poder na Arábia Saudita, o principal comprador de armas em nível internacional, aliado aberto dos EUA e Israel na desestabilização do Oriente Médio.
Recentemente, os conservadores venceram as eleições em Portugal, o Sryza tirou a máscara e adotou a política preconizada pelo Troika, sua faceta espanhola, o Podemos, ilude aquele povo se apresentando como a principal “oposição” ao capital, os países mais ricos, como França, Inglaterra e Alemanha, há muito vivem sob o domínio da parcela mais avançada do capital financeiro internacional. O banco Goldman Saches predomina na Europa.
A África segue sua sina histórica de maximização da exploração, com seus povos pagando os lucros do capital com sangue, vidas e lágrimas. A cultura mais antiga do planeta, o berço da Humanidade, sofre por suas riquezas naturais e proximidade com a Europa e os EUA.
Até mesmo o povo dos Estados Unidos, núcleo central do capitalismo, é vítima da violência, do desemprego e da miséria nunca dantes vivenciados, superiores a crise de 1929.
Suas garras alcançaram a América do Sul, nos últimos 20 anos o principal polo de desenvolvimento das forças progressistas em nível mundial. Tomaram o parlamento na Venezuela, impediram novo mandato de Evo Morales na Bolívia, derrotaram o sucessor de Cristina Kirchner na Argentina, fecharam um acordo com Cuba para tentar reduzir sua influência e esconder seus reais objetivos de destruição do socialismo na heroica ilha.
O Brasil não foge da sina internacional. Aquele que um dia cantou “verás que um filho teu não foge à luta” tem um governo submisso ao capital, ainda ludibriando os trabalhadores e tentando chegar ao final do seu mandato, por mais que seja aos trancos e barrancos. Seu objetivo é alcançar 2018, na expectativa de seu líder messiânico reverter a crise e aplacar a ira popular. Como se isso fosse possível com tamanha subserviência ao capital.
A falsa oposição cresce diante da inviabilidade de continuidade do projeto da aristocracia operária, outrora menina dos olhos da burguesia. Face a necessidade de crescimento sistemático dos seus lucros, a burguesia aposta suas fichas no projeto que permite acelerar a entrega das riquezas nacionais e aviltar, ainda mais, os direitos dos trabalhadores.
É nesse contexto que se dá a entrega do pré-sal para as multinacionais, o enfraquecimento da Petrobras, a privatização da Educação e da Saúde pública, a corrupção desenfreada, a reviravolta nas terras indígenas, a agressão ao meio ambiente (vide usina de Belo Monte), os assassinatos dos jovens negros mais carentes pelas polícias militares, a liberdade da Samarco e da Vale, a inocência de FHC, Alckmin, Aécio etc. Nunca os bancos lucraram tanto em solo pátrio.
Os aspectos sociais da crise sistêmica se fazem sentir de forma inaudita, atingindo diretamente a população conforme demonstra o corpo daquele menino imigrante na praia, um cadeirante palestino ser agredido pelo exército israelense, o roubo da merenda escolar de crianças carentes, os indígenas brasileiros bombardeados por agrotóxicos a mando dos ruralistas, os povos do continente-mãe morrerem de fome e tantos outros crimes impunes se multiplicarem pelo planeta.
Barbárie ou socialismo? Já estamos na barbárie. Em seu início, mas é a barbárie. Daí vermos inúmeras reações dos trabalhadores, das comunidades, dos indígenas etc. Apesar disso, é preciso radicalizar e ampliar as lutas, resistir, garantir os direitos e alçar novas conquistas.
Está na hora de romper as amarras e aproveitar a oportunidade histórica que se nos apresenta.
Afonso Costa
Jornalista.